Texto Carolina Pires Fotos Raquel Aviani Ilustrações Francisco George Lopes

 

Um canto vibrante e agudo chama a atenção para uma ave que gorjeia adiante. O pássaro de plumagem preta, azul e branca se destaca no fundo de tom esverdeado. Logo é possível perceber que se trata de exemplar típico da região, a gralha-do-campo. O galho grosso e retorcido sobre o qual pousou é de uma árvore de tronco forte e casca áspera e rugosa: um imponente pequizeiro de quase 10 metros de altura.

 

No solo, entre a folhagem seca, destacam-se belas flores alaranjadas. Conhecida como para-tudo ou perpétua, essa planta rasteira é utilizada pelos nativos não só pelo aspecto ornamental, como também pelo poder medicinal. Um barulho vindo do matagal expõe um animal à espreita. Tem pelagem cinza, com uma diagonal preta bordejada de branco que se estende até o peito. A marca registrada — o focinho comprido, afilado — não deixa dúvidas: trata-se de um tamanduá-bandeira, que está ali em busca de seus alimentos preferidos: cupins e formigas.

 

Ao lado, um arbusto de caule fino e ereto, com folhagem em tufos, lembra as emas, animais típicos do Cerrado. Não é à toa que popularmente é chamado de canela-de-ema. Quando floresce, as flores podem ser brancas ou lilases. Um curso d’água acompanha as veredas, de onde se avistam dezenas de palmeiras. Com folhas em formato de leque, os buritis alcançam 30 metros e seus frutos são revestidos por escamas de tom castanho-avermelhado que embelezam ainda mais os buritizais.

 

A diversidade deste ambiente impressiona, encanta e desperta curiosidade. O cenário que acaba de ser descrito dá apenas uma pequena noção do que constitui o Cerrado brasileiro, que abriga milhares de espécies de vegetação e uma fauna muito diversa de invertebrados, anfíbios, répteis, peixes, aves e mamíferos. Localizado no coração do Brasil, ocupa uma área de dois milhões de quilômetros quadrados, que correspondem a cerca de 24% de todo o território brasileiro. É considerada a savana mais rica do mundo, detendo 5% das espécies de todo o planeta e 30% da biodiversidade nacional.

 

“O Cerrado possui várias fisionomias. O de tipo restrito é composto por árvores tortuosas mais espaçadas. Já o campo limpo mostra-se formado por gramíneas, enquanto o campo sujo tem arbustos e rochas. Há ainda a formação florestal, o chamado Cerradão, constituído por árvores mais altas cujas copas se tocam”, esclareceo professor do Departamento de Engenharia Florestal da UnB Paulo Ernane Nogueira da Silva.

 

O que torna o Cerrado tão singular é justamente seu posicionamento estratégico, que lhe permite conectar-se com quatro dos seis biomas brasileiros: a Amazônia, a Caatinga, a Mata Atlântica e o Pantanal. Apenas não faz divisa com os Pampas, no sul do país. Ocupando boa parte do Planalto Central com altitudes médias, esse tipo de savana alimenta ainda três aquíferos subterrâneos.

 

“No Distrito Federal, na Estação Ecológica de Águas Emendadas, uma nascente flui para lados opostos, formando rios que desaguam em bacias hidrográficas distintas e vão para a Bacia do Prata e a Amazônica. Esses cursos d’água interligam todas essas regiões do Brasil”, explica o professor. Até recentemente, pouco se sabia sobre esse complexo ecossistêmico, em termos de informações técnicas e especializadas.

 

No fim dos anos 1980, a Universidade de Brasília (UnB) integrou o projeto Conservação e Manejo da Biogeografia do Bioma do Cerrado (CMBBC). A cooperação técnica reuniu diferentes áreas da Universidade, como Engenharia Florestal, Botânica, Ecologia e Zoologia, assim como vários outros órgãos de pesquisa no Brasil e no exterior, com destaque para a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Jardim Botânico de Brasília e o Jardim Botânico Real de Edimburgo, na Escócia. A iniciativa durou mais de duas décadas e recebeu financiamento do governo federal e do Departamento para o Desenvolvimento Internacional do Reino Unido (DFID, da sigla em inglês).

 

Paulo Ernane conta que o grupo percorreu o Cerrado do Brasil inteiro, estudando, de forma multidisciplinar, toda a vegetação, a fauna, a flora, os solos. Foram registradas descobertas de novas espécies, e isso resultou em novos trabalhos de pesquisa. Para se ter uma ideia da expansão deste trabalho, até então estavam catalogadas cerca de 120 espécies vegetais do Cerrado, e hoje elas alcançam a casa do milhar. “Na última publicação já constavam mais de 7 mil exemplares da flora vascular, que corresponde a árvores, arbustos e herbáceas”, informa o professor. Atualmente, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), mais de 11 mil espécies nativas estão devidamente descritas e catalogadas.

 

DEVASTAÇÃO SEM PRECEDENTES

 

A etimologia da palavra Cerrado faz referência a qualidades como fechado ou denso. No entanto, a realidade tem mostrado que o bioma está cada vez mais devastado e já perdeu pelo menos metade da vegetação nativa. Segundo o relatório da ONG Fundo Mundial para a Natureza (WWF, 2018), a redução das áreas verdes o Cerrado é maior do que a da Floresta Amazônica, que, desde a década de 1970, perdeu 20% da cobertura original. Se a Amazônia já reduziu em torno de 700 mil quilômetros quadrados sua mata nativa, a devastação do Cerrado é da ordem de 1 milhão de quilômetros quadrados.

 

Os dois biomas têm tratamentos bastante diferenciados por parte do poder público e as instâncias governamentais. A própria Constituição Federal ignorou o Cerrado no parágrafo quarto do artigo 225, que trata dos patrimônios nacionais. Há mais de 20 anos, estão em discussão propostas de emenda constitucional (PEC 115/95 e 504/10) para incluir o Cerrado e a Caatinga no texto.

 

Atualizado em 2012, o Código Florestal brasileiro não contribuiu para minimizar os impactos nocivos do desmatamento na região Centro-Oeste. Enquanto na Amazônia a reserva legal em todas as propriedades rurais é de até 80%, no Cerrado é de apenas 20% ou 35%. Para o sociólogo e professor aposentado da UnB Donald Sawyer, a diferença de proteção incentiva o plantio na área central do país. Inclusive, as políticas que protegem a Amazônia podem impactar negativamente o Cerrado.

 

Quando se compara a produção nacional de alimentos, fibras e bioenergia, a participação do Cerrado é muito expressiva. Conforme o boletim da Embrapa Cerrados (2017), a maioria das commodities contribui com quase 50% de tudo que é produzido no país: algodão (98%), sorgo (89%), carne (55%), soja (49%), milho (49%) e cana- -de-açúcar (47%). Aliado ao plantio de soja, a pecuária também tem influência na redução drástica da vegetação nativa. A soja é um dos grãos que mais avançam em expansão territorial. A estimativa de produção da soja na safra 2018/2019, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), é de 273,3 milhões de reais, em uma área de plantio de 60 milhões de hectares.

 

“O agronegócio no Cerrado se intensificou muito nos anos 1980, principalmente a partir da adaptação da soja para o clima tropical, com técnicas de correção da acidez do solo e uso de fertilizantes”, observa Sawyer. Em sua percepção, o arco do desmatamento está justamente na transição entre o Cerrado e a Floresta Amazônica, região de maior impacto: “A criação de gado se tornou uma forma de especulação fundiária, uma vez que pode entrar em pastagens cheias de tocos, onde não dá para cultivar a soja”.

 

O jogo de forças entre o agronegócio e a preservação ambiental fica evidente na região Matopiba, expressão criada a partir de acrônimo com as iniciais dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Designada como a última fronteira agrícola do país, a área geoeconômica Matopiba foi formalmente oficializada pelo governo federal em 2015, abarcando 337 municípios em 73 milhões de hectares. De acordo com a coordenação geral de observação da terra do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os quatro estados somaram 8.754 quilômetros quadrados de desmatamento em 2017 e 2018, o que corresponde a mais de 60% da perda de todo o Cerrado nesse período.

 

Para o professor, estamos em um tipping point, ponto de inversão ou de inflexão, pois o desmatamento do Cerrado tem contribuição direta e indireta para o aquecimento global: “Indiretamente, por meio da emissão de gases de efeito estufa. Há muito mais carbono nessa região do que se percebe, tendo em vista que a maior parte é biomassa subterrânea. Além de gás carbônico, também há grandes emissões de metano do gado e óxido nitroso a partir dos fertilizantes utilizados. Pela via direta, a terra desmatada aquece mais, aumentando a temperatura do ambiente”. O ritmo acelerado de destruição das matas nativas também tem alterado o ciclo hidrológico. “Quando a chuva cai numa área desmatada, boa parte da água escoa e vai para os córregos, rios e mar. A água não se infiltra para alimentar lençóis freáticos e aquíferos. A própria evapotranspiração das plantas, a partir da qual as raízes profundas buscam água e as folhas no processo de fotossíntese captam CO 2 , gera novas nuvens e estimula a precipitação pluviométrica”, destaca Sawyer.

 

Outro fator que precisa ser levado em conta é que o tempo mais seco, além de prejudicar o crescimento da vegetação, também aumenta o risco de incêndios. “Todos esses efeitos interagem entre si com retroalimentação, então poderíamos entrar numa espiral descendente e catastrófica”, alerta.

 

“Para muitos, o Cerrado não vale nada e seu papel deveria ser o de celeiro do mundo em termos de produção de alimentos de diversos tipos, bem como de algodão e etanol”, diz, acrescentando que, em sua opinião, os processos econômicos e estruturais interagem com as políticas públicas de uma forma muito infeliz para esse grande ecossistema. “Isso tem consequências diretas e profundas sobre comunidades locais, povos tradicionais e mesmo indígenas. Isso porque só se pensa na Amazônia e é conveniente para o governo e para a indústria no Brasil.”

 

PEQUENOS TESOUROS, GRANDES DESCOBERTAS

 

Estima-se que o Cerrado exista há 65 bilhões de anos e, por isso, é considerado o bioma mais antigo do país. A maior parte de sua biomassa, em torno de 70%, está concentrada dentro da terra. É por isso que ganhou o título de floresta invertida, pois, embora suas árvores não sejam muito grandes, as raízes são profundas, podendo passar de 50 metros abaixo do solo. “Ainda na década de 1960, pesquisadores queriam entender porque, em pleno período de seca, as plantas estavam florescendo e resistindo ao calor mesmo sem chuva”, afirma o professor de Engenharia Florestal Paulo Ernane. Foi estudando a fisiologia dessa vegetação que se descobriram mecanismos extremamente adaptados para segurar água e sobreviver em ambiente com solo pobre em nutrientes. O emaranhado sistema de raízes também é responsável por abastecer os lençóis freáticos e aquíferos.

 

Foto: Detalhe da cortiça que cobre o tronco das árvores e contribui para a manutenção térmica e regeneração após incêndios florestais

 

“A adaptação do Cerrado é muito bem feita, determinadas espécies suportam o fogo intenso. Quando o incêndio passa e às vezes atinge temperaturas de 500ºC, dentro da casca permanece em torno de 20ºC. Esse fenômeno ajuda a preservar todo o sistema da planta”, explica Paulo Ernane. Isso porque as cascas de determinadas árvores são muito grossas, revestidas com uma camada de cortiça que promove o isolamento térmico.

 

Embora incêndios florestais já ocorram antes da existência do homem na Terra, causados por fenômenos naturais, esses episódios têm se intensificado pela ação humana. “O maior problema do fogo está na frequência com que acontece. As plantas e a própria fauna precisam de um tempo para se readaptar e o que reduz a diversidade é a repetição desses incêndios”, adverte o engenheiro florestal. Outra característica das árvores do Cerrado é seu crescimento lento; algumas podem levar mais de 10 anos para frutificar. Por outro lado, o ciclo de vida é longo, duram centenas de anos.

 

Com clima tropical sazonal, temperatura média de 23ºC, o inverno no Cerrado é muito seco, sendo justamente neste período que se concentra a florada de boa parte das plantas. Isso intrigou os botânicos, que identificaram outra adaptação dessa vegetação. As plantas gastam muita energia para florescer e elas soltam flores na época seca para ficar mais vistosas e atrair mais os polinizadores. Assim, os frutos dispersos nessa estação podem atingir distâncias maiores.

 

Foto: Americano, professor Donald Sawyer vive no Brasil desde 1968 e se dedica à pesquisa do Cerrado desde o começo dos anos 1990

 

MAIS SUSTENTABILIDADE

 

Em meados da década de 1990, Donald Sawyer fundou o Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN), centro independente de pesquisa e documentação. Um dos programas do ISPN apoia mais de 500 projetos no Cerrado, oferecendo apoio e soluções práticas para comunidades locais, principalmente voltadas para iniciativas sustentáveis de preservação e manutenção das funções ecológicas da terra. “Estamos num dos países mais importantes do mundo em termos ambientais e as pesquisas podem contribuir para a formação e constituição de políticas públicas. O uso sustentável da biodiversidade é uma das formas de viabilizar a permanência desses povos e agricultores familiares no campo”, assegura Sawyer.

 

Ilustração Marcos Silva-Ferraz/NicBio UnB

 

UM GRITO DE ALERTA

 

Um estudo publicado em 2017 na revista científica Nature Ecology & Evolution apontou que, se a devastação continuar avançando, até 2050 o Cerrado pode perder até 34% do que ainda resta, o que levaria à extinção de 1.140 espécies endêmicas, que são aquelas que ocorrem exclusivamente em uma determinada região geográfica. O número é oito vezes maior que a quantidade oficial de plantas extintas em todo o mundo desde o ano de 1500, quando começaram os registros.

 

A organização não governamental Conservação Internacional (CI) mobilizou um Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF, da sigla em inglês) que envolve financiadores internacionais: Agência Francesa de Desenvolvimento, União Europeia, governo do Japão, Banco Mundial, Fundação McArthur e Fundo Mundial para o Meio Ambiente.

 

Na primeira década do século XXI, a CI investiu na Mata Atlântica. O Cerrado não foi contemplado. Em 2012, o pesquisador Donald Sawyer foi à sede da organização em Washington e, em 2014, foi convidado a coordenar o perfil ecossistêmico do Cerrado. Com mais de 500 páginas, o documento foi lançado em 2016 e contribuiu para o financiamento de 8 milhões de reais em projetos voltados à preservação da região.

 

Infográfico: O que é o Cerrado?

 

Foto Em Planaltina, buritis (Mauritia flexuosa) formam uma vereda e indicam reservatório subterrâneo de água

 

A conservação ideal só é possível em unidades de conservação, reservas protegidas legalmente. Segundo o professor, “os povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares têm uma importância inestimável. Eles não fazem conservação, no sentido de manter tudo como era, mas preservam nascentes, mantêm a biodiversidade e não emitem tanto carbono”. Portanto, o importante é manter as funções ecológicas que ele sintetiza em ABC — água, biodiversidade e carbono. A sigla também é usada no Plano Agricultura de Baixa Emissão de Carbono, instrumento criado pelo Ministério da Agricultura que integra diferentes instâncias governamentais, o setor produtivo e a sociedade civil para a redução das emissões provenientes das atividades agrícolas e da pecuária.

 

Para além dessa população, Donald Sawyer acredita que é possível manter a metade do Cerrado em pé sem prejuízo da produção agropecuária, aumentando a produtividade. “No Brasil, o boi tem densidade baixíssima, ocupa cerca de uma cabeça por hectare. Em outros lugares do mundo, podem ser três ou mais”, salienta. Com o manejo de pastagens, a produtividade tem potencial de aumentar em no mínimo 50%. A área liberada poderia servir de ampliação do plantio de culturas, tais como a soja, o milho e a cana.

 

“Não são incompatíveis a manutenção das funções ecossistemas e a produção para alimentar o Brasil e o mundo”, avalia. O caminho seria a adoção de cadeias produtivas limpas. Isso porque ele considera que há cada vez mais motivos econômicos para se desmatar e dificilmente as políticas públicas vão funcionar nesse sentido. “Grandes empresas já aderiram a isso, mas também depende dos consumidores não aceitarem consumir carne ou soja insustentável que causem esses danos sociais e ambientais”, espera. Donald Sawyer explica que não desmatar mais não significa não derrubar nenhuma árvore e, sim, promover um saldo positivo, por meio do reflorestamento de áreas que não estão sendo utilizadas, por exemplo.

 

Conciliar a expansão agrícola com a preservação do meio ambiente também é possível na visão de especialistas de outros órgãos, como o chefe geral da Embrapa Cerrados, Cláudio Takao Karia: “Não é preciso desmatar nada, pode-se dobrar a produção de forma racional, utilizando técnicas de integração de agricultura, pecuária e floresta. Calcula-se que 50 milhões de hectares de áreas degradadas já são passíveis de restauração ecológica”. O pesquisador lembra que os proprietários de imóveis rurais têm que fazer o Cadastro Ambiental Rural (CAR), declarando área de reserva legal, segundo estabelece o Código Florestal.

 

Para ajudar nesse cadastro, a Embrapa, em parceria com os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, criou a plataforma Webambiente, um sistema de informação interativo para auxiliar tomadas de decisão no processo de adequação ambiental da paisagem rural, que contempla banco de dados sobre espécies vegetais nativas e estratégias para recomposição ambiental.

 

MAIS VISIBILIDADE

 

Diante de toda a importância do Cerrado para a manutenção do sistema ecológico do país, sua função é inegável e inquestionável. No entanto, apesar de toda a magnitude, grandeza e relevância, muitos ainda fingem desconhecê-lo. Quando o biólogo Marcelo Bizerril Ximenes iniciou seu trabalho de campo ao longo de mais de uma década no bioma, ele não imaginava que se depararia com visões tão deturpadas, marcadas muitas vezes por preconceito e invisibilidades.

 

Há dez anos, o estudioso lançou o livro paradidático Vivendo no Cerrado: aprendendo com ele. A publicação traz um panorama desse bioma, abordando diferentes aspectos, tais como o ambiente, a biodiversidade, o ser humano, os impactos e a conservação. Com tiragem de 20 mil exemplares, há expectativa de lançamento de uma nova edição ainda em 2019.

 

Atualmente, Marcelo Bizerril é docente da área de Educação da Faculdade de Planaltina (FUP) e desenvolve pesquisas sobre ecologia e educação ambiental. Ele garante: “A educação é o caminho para a conservação. O Cerrado é um lugar que tem a parte da paisagem que o compõe e o qualifica, já que seu nome está ligado à forma da vegetação. Mas também é preciso pensar nesse lugar no sentido histórico das pessoas que ali viviam e na condição atual de exploração econômica pela qual ele passa”.

 

Ao trabalhar com estudantes de escolas de diversas regiões do Distrito Federal, o docente percebeu que, quanto mais afastado o jovem está do ambiente rural, menos conhece e guarda uma percepção positiva sobre o Cerrado. “O padrão que a gente encontra é que, aquele que tem experiência de vida e memória afetiva, tem uma visão mais apurada. Por outro lado, quem vem de fora não encontra muitos elementos que possam lhe dar subsídios para uma compreensão mais embasada”, enfatiza Bizerril.

 

A opinião do pesquisador é que isso tem melhorado desde a última década, especialmente com o desenvolvimento do ecoturismo na região. Ainda assim, Marcelo Bizerril defende uma abordagem mais qualificada sobre o Cerrado, que precisa ser melhor apresentado em diferentes instâncias. “Seja pela escola, livros didáticos ou mesmo pela mídia, falta um enquadramento mais direcionado para os impactos e consequências do desmatamento diretamente”, pondera. Em um estudo com alunos do Ensino Médio, apenas um terço deles tinha consciência clara e próxima do meio ambiente e da relação com a ocupação humana. Pelo menos a metade ignorava o tema e o restante se manifestava negativamente, muitas vezes se preocupando com a floresta tropical, que está mais distante e é vista de modo mais amistoso.

 

Bizerril acha que a solução é gerar uma rede de conhecimento, informação e valorização dos povos tradicionais. “Estamos vendo hoje muitas disputas de áreas indígenas e quilombolas. Essas extensas áreas foram preservadas por conta dessas pessoas que têm uma relação muito sustentável com a terra”, acredita.

 

Nesse sentido, o professor ressalta a importância de pesquisas e projetos voltados às demandas locais: “A FUP tem essa característica de receber estudantes da comunidade e, por isso, aqui surgem tantos trabalhos relacionados a assentamentos e pequenos núcleos rurais”. Assim, a Universidade se torna espaço para acolher, entender e atender às demandas tão urgentes e necessárias para a preservação do Cerrado.

 

Foto Para Bizerril, “a educação é o caminho para a conservação”

 

PARA SABER MAIS

 

Lançado em 2018, o documentário Ser tão velho Cerrado explora o problema do desmatamento do bioma, a partir de disputas na Chapada dos Veadeiros. A discussão é apresentada a partir de múltiplos olhares: ativistas do meio ambiente, pequenos agricultores, empresários do agronegócio, biólogos e políticos. Dirigido por André D’Elia, o filme conta com os atores Juliano Cazarré e Valéria Pontes. Disponível na Netflix, o longa foi premiado na VII Mostra Ecofalante como melhor obra latino-americana, na avaliação do público.

 

Ilustração Marcos Silva-Ferraz/NicBio UnB