DOSSIÊ

Pibid e Residência Pedagógica da UnB atuam diretamente na educação básica do Distrito Federal e procuram estimular a valorização dos professores dos primeiros níveis de ensino

 

Texto Vanessa Vieira

 

Nas mãos de Lana Teixeira Silva, estudante de Pedagogia na UnB, uma caixa de sapato e tampas de garrafa pet viram instrumento precioso para ensinar a ler. “Trabalhamos a alfabetização para crianças surdas e não surdas sem a necessidade de atividades separadas. Essa é uma estratégia inclusiva. Além disso, a criança treina também a coordenação motora enquanto enrosca a tampinha na caixa”, explica a estudante do sexto semestre. Lana define o recurso, que tem letras do alfabeto e o respectivo símbolo na língua brasileira de sinais (Libras), como algo “simples, mas com enorme potencial”.

 

Já Aline de Sousa, do sétimo semestre de Pedagogia, trabalha a alfabetização emocional de crianças por meio de fantoches fabricados com caixas de leite, lã e materiais de papelaria, como folhas da espuma sintética EVA. Ela realça a ideia transformadora embutida no ato de criar: “Além de lidar com a própria emoção, expressa na fisionomia do boneco, ao ouvir o relato do colega sobre as causas de determinada emoção, fica mais fácil se colocar no lugar do outro. É assim que desenvolvemos nos estudantes sentimentos como empatia e solidariedade, que têm impacto direto sobre problemas, como depressão, bullying e violência”.

 

Os recursos utilizados pelas graduandas foram planejados com o auxílio da pedagoga Neusimar Queiroz, da Escola Classe 13 (EC 13) de Ceilândia, e apresentados a graduandos e professores da rede pública do Distrito Federal na oficina Jogos e atividades lúdicas como recursos pedagógicos, realizada em julho de 2019 na UnB, no evento UnB+Escola. Com 21 anos de prática docente, vivência na rede privada e pública de ensino, a professora compartilha o conhecimento com as duas graduandas e outros seis universitários que, desde 2018, vivenciam na EC 13 seus projetos de Residência Pedagógica. 

 

“Tanto para meu trabalho pessoal, como para a escola, receber os graduandos tem sido um ganho enorme. Eles trazem conhecimentos atualizados sobre o que estão estudando e assim promovemos uma troca enriquecedora”, diz a pedagoga. O Programa de Residência Pedagógica integra a Política Nacional de Formação de Professores do MEC e encontra-se na primeira edição (2018-2020). A ação é dirigida a universitários que estão na segunda metade dos cursos de licenciatura para aperfeiçoar o estágio curricular na graduação, proporcionando a eles uma experiência em escolas.

 

REALIDADE CRUEL

Uma pesquisa com mais de 2 mil professores da educação básica de todo o Brasil mostrou que quase metade dos entrevistados (49%) não recomendaria a profissão para um jovem. A principal razão apontada é a desvalorização da carreira, tanto pelo poder público quanto pela sociedade. A má remuneração e a rotina desgastante também são fatores de desmotivação. Os dados constam do relatório Profissão Professor (2018) da organização Todos Pela Educação. 

 

Em uma lista com várias opções, os professores entrevistados indicaram quais medidas seriam mais eficazes para valorizar a carreira. Em primeiro lugar, apontaram oportunidades de qualificação para os docentes que já estão na escola e maior escuta desses profissionais nas decisões sobre políticas educacionais. Outras medidas mencionadas foram restaurar a autoridade e o respeito pela figura do professor e melhorar a remuneração.

 

Sozinhas, as universidades não podem mudar todos os fatores envolvidos na valorização da educação básica e de seus profissionais. Entretanto, elas têm uma missão não menos desafiadora: formar os professores para atuar nesse complexo contexto social. Duas experiências de aperfeiçoamento prático nos cursos de licenciatura – os cursos específicos para a formação de professores – têm se
mostrado bem-sucedidas: o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) e o Programa de Residência Pedagógica.

 

Fomentados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão do Ministério da Educação (MEC), os dois programas são coordenados na UnB, respectivamente, pelos professores Pedro Gontijo e Kátia Curado, com o apoio da Coordenação de Integração de Licenciaturas (CIL). O Pibid existe desde 2007 em todo o país, e é destinado a universitários nos primeiros semestres de cursos de licenciatura. A iniciativa visa ambientar os futuros professores para atuar em salas de aula da rede pública, além de incentivar a melhoria do ensino-aprendizagem. 

 

Segundo dados da Capes, 260 mil estudantes brasileiros já participaram do Pibid desde 2009, e o edital atual, vigente desde o ano passado, contempla mais de 51 mil alunos. Por sua vez, a Residência Pedagógica conta atualmente com mais de 33 mil estudantes no país todo. Os dois programas oferecem bolsas, sendo possível a participação voluntária de estudantes. 

 

Segundo Gontijo, que, além de coordenar o Pibid, é docente no Departamento de Filosofia da Universidade de Brasília (UnB), os fatores de desmotivação apontados pelos professores na pesquisa refletem-se diretamente na educação ofertada no país: “Não há como melhorar a qualidade da educação básica sem investir na formação, no salário e nas condições de trabalho”.

 

DESAFIOS REAIS

No quinto semestre de Letras-Português, Mateus de Morais afirma que participar do Pibid foi importante para sua formação: “Saber como funciona a elaboração de documentos, o plano de aula, a dinâmica da escola. Essa experiência é fundamental para nós que vamos assumir uma classe”. Para ele, junto com a experiência veio a certeza da vocação: “Percebi que é isso o que eu quero. É impagável ver o brilho nos olhos de um aluno quando ele está compreendendo o conteúdo”.

 

“Pibid e Residência têm algo a nos ensinar sobre políticas que fortalecem a interação entre universidade e sistemas educacionais. É fundamental ampliar, no Brasil inteiro, essa interação, a fim de melhorar a qualidade da educação”, afirma Pedro Gontijo. Para ele, é uma interação que traz conhecimentos das práticas nas escolas para incrementar a formação docente na universidade, e que leva conhecimentos da universidade para contribuir na formação continuada dos professores do ensino básico. “Isso deve incluir também a interação com as secretarias de educação”, frisa Gontijo.

 

A docente Ana Júlia Pedreira, do Instituto de Ciências Biológicas (IB) da UnB, atua como coordenadora da Residência Pedagógica do curso. Ela acumula 18 anos de experiência na educação básica das redes pública e privada. “Quem sabe dar aula é o professor que está na escola. Precisamos muito dessa experiência. A universidade pode, sim, contribuir com novos conhecimentos para atualizar a formação desse docente. É uma parceria importante”.

 

Ela relata que é comum os universitários ouvirem o conselho: “Não faça isso com a sua vida, não seja professor”. A recomendação vem inclusive de professores que, segundo Pedreira, estão frustrados com a falta de valorização profissional. Hoje a docente usa sua bagagem profissional nas salas de aula do IB, onde faz reuniões quinzenais com os residentes. “Eles trazem relatos de frustrações e obstáculos, e nós podemos orientá-los. É a oportunidade para aprenderem a lidar com esses desafios.” 

 

Para a bióloga, a residência possibilita ao estudante fazer uma escolha consciente. “Quem não gosta de dar aula tem a oportunidade de perceber isso e mudar de trajetória. Para muitos, a vivência trará a certeza de que, mesmo não sendo fácil, a docência é muito recompensadora.” Para ela, o professor da educação básica ainda é pouco valorizado para o tamanho da tarefa que tem em mãos. “Não é por acaso que temos uma classe docente adoentada. Falta perspectiva de melhoria na categoria e no reconhecimento por parte da sociedade”, afirma.

 

A EDUCAÇÃO BÁSICA

A educação básica constitui o primeiro nível do ensino escolar no Brasil, com três etapas: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. A educação infantil contempla creche, para crianças de até três anos; e pré-escola, de quatro a cinco anos. O ensino fundamental é organizado em: anos iniciais (primeiro ao quinto ano) e anos finais (sexto ao nono ano). O ensino médio abrange a escolarização de jovens do primeiro ao terceiro ano.

 

Cada etapa apresenta exigências específicas para a formação do professor. Para lecionar na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, admite-se formação mais geral, multidisciplinar, possibilitando a atuação de profissionais formados em Pedagogia. Para lecionar a partir dos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, exigem-se profissionais formados em licenciatura de áreas específicas, como Matemática, Ciências ou Geografia.

 

A educação básica é a formação indispensável para que o indivíduo possa exercer sua cidadania, capacitando-o também para o trabalho e para estudos posteriores, como de nível superior. Seu documento norteador é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – nº 9.394/1996). Outros marcos fundamentais são as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica, o Plano Nacional de Educação, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

APRENDIZAGEM EM AÇÃO

Um dos objetivos da Coordenação de Integração das Licenciaturas (CIL) da UnB é pensar projetos e ações para que mais docentes e coordenadores de curso possam estimular o aprendizado dos licenciandos acerca de metodologias inovadoras.  Segundo o coordenador do Pibid, Pedro Gontijo, ao se deparar com a realidade da profissão, o estudante de licenciatura descobre a importância do investimento na formação. 

 

“Ele volta para a universidade não só com a preocupação de aprender o conteúdo específico da área, mas pensando em como irá ensiná-lo aos futuros alunos e em como lidar com as dificuldades da prática pedagógica”, constata. Pibid e Residência Pedagógica permitem ao futuro professor vivenciar os desafios do dia a dia, como a formação técnica em uma área específica, a formação didático-pedagógica, a interação da escola com a comunidade local, entre outros. 

 

Recentemente foi realizada a primeira edição do projeto UnB+Escola, que ofertou 2 mil vagas em 50 oficinas com diversas temáticas, para professores de educação básica e estudantes de licenciatura. “A universidade tem um conhecimento riquíssimo e isso não pode ficar intramuros”, afirma Eloísa Pilati, pesquisadora em Educação, Metodologias Ativas e Neurociência, enfatizando que o Pibid e a Residência Pedagógica são iniciativas importantes nessa ponte entre escolas e universidades.

 

A docente, que é doutora em Linguística, afirma que as descobertas da Neurociência e da Psicologia Cognitiva nos últimos 40 anos apontam as metodologias ativas como formas eficazes para propiciar a aprendizagem significativa que saliente habilidades de pensamento e vá além da memorização. Ao contrário do que os estudiosos têm defendido, a aula expositiva ainda impera nas salas de aula: “Se o professor não encher o quadro de conteúdo e ficar 40 minutos falando, considera-se que não houve aula. É uma questão cultural que precisa ser superada. A aula expositiva pode ser usada, mas não como única metodologia”, adverte Pilati, coordenadora de Integração das Licenciaturas da UnB.

 

“Na aprendizagem ativa, o aluno é protagonista na construção do conhecimento. Por participar ativamente do processo, ele é motivado a exercer a atenção intrínseca, que é um elemento essencial para a aprendizagem”, esclarece a professora. Diversas ações promovem a aprendizagem ativa, como jogos, debates, tutoria por colegas, aprendizagem por projetos, resolução de problemas, estudo de caso, visitas técnicas. Um requisito indispensável, entretanto, é o desenvolvimento da metacognição, que, de forma simplificada, significa pensar sobre o pensamento. 

 

“Aí entra o papel do professor, de conduzir o estudante a pensar sobre o conteúdo que está sendo abordado, estimulando o desenvolvimento de ideias, estabelecendo conexões entre os conteúdos e promovendo um aprendizado mais profundo e o desenvolvimento do pensamento crítico”, afirma Pilati. Em geral, a metodologia tradicional não é centrada no estudante, e sim na exposição do conteúdo, privilegiando a memorização. Já a metodologia ativa exige um processo crítico de experimentação, trabalhando com níveis mais complexos do processo cognitivo. Outro benefício dos métodos ativos é o processo avaliativo contínuo, com feedbacks ao longo do tempo.