Reportagem

Programa de extensão aplica na prática conceitos de comunicação e mobilização social

 

 

Texto Henrique Gomes

 

Era o ano de 2001 e uma greve geral fora deflagrada nas instituições federais de ensino superior em todo o país. Estudantes da Universidade de Brasília participaram de uma iniciativa de rádio comunitária criada para dialogar com a sociedade sobre a paralisação. Quando a greve estava perto do fim, comunidade acadêmica e membros da sociedade se mobilizaram para que o projeto continuasse. Era a chance de a Universidade ter finalmente uma emissora de rádio. Instalada na Faculdade de Comunicação (FAC), nascia a Rádio Laboratório de Comunicação Comunitária, a Ralacoco.

 

Cerca de um ano depois, a de fim de expandir as ações da rádio, institucionalizar o seu funcionamento e obter mais recursos para o projeto, foi criada a disciplina Comunicação Comunitária na FAC. Estudante de pós-graduação à época, Fernando Oliveira Paulino, que hoje é docente da FAC, foi um dos responsáveis pela disciplina. As primeiras atividades – para além dos estúdios da rádio – foram realizadas no Varjão, em parceria com organizações locais.

 

Em 2007, a disciplina estimulou a criação de projeto de extensão de ação contínua e passou a atuar em Planaltina. A inauguração da Faculdade UnB nesta região administrativa, a FUP, facilitaria o diálogo entre disciplina e entidades locais. Em 2011, o projeto de extensão tornou-se o Programa de Extensão de Comunicação Comunitária (ComCom).

 

De acordo com o professor Paulino, ComCom “promove a mobilização social, em parceria com coletivos e organizações governamentais e não governamentais, aproximando o conhecimento acadêmico e o saber popular”.

 

Ao longo dos 18 anos de atividades, as iniciativas contabilizam a participação de mais de mil estudantes de diferentes cursos da UnB, como Jornalismo, Publicidade, Audiovisual, Comunicação Organizacional, Administração, Nutrição, Biblioteconomia, Serviço Social, História, Biologia, Ciências Naturais e Medicina. Nas aulas, são abordados conceitos de comunicação, cultura, cidadania e mobilização social.

 

A teoria aprendida é aplicada em atividades de campo em regiões administrativas do Distrito Federal e também fora dele. Como resultado, há registros de dezenas de ações nas áreas de cultura, cidadania, educação e comunicação. As atividades são feitas sempre em parceria com entidades e organizações sociais de cada comunidade e grande parte do trabalho realizado pode ser acompanhado por canais na internet.

 

HISTÓRIAS VALORIZADAS

As atividades de comunicação comunitária estimulam a população a reconhecer suas necessidades, reivindicar seus direitos e tentar solucionar problemas na área de Comunicação. Em mais de dez anos de ações conjuntas semanais, foram organizados, em Planaltina, festivais de música, oficinas, visitas guiadas em pontos turísticos para crianças, e a idealização e implementação do Espaço Multimídia no Museu Histórico e Artístico de Planaltina, onde é realizada parte das programações culturais. A Rádio Comunitária Utopia FM, a primeira rádio comunitária legalizada da localidade, passou a ser palco do programa Espaço Universitário, pautado na história da localidade e de seus moradores.

 

Disponível numa plataforma de vídeos, a série Minha Planaltina foi um dos projetos desenvolvidos pelo programa ComCom que marcou a comunidade. “Foi um trabalho muito lindo!”, recorda-se Maria Lourdes Maciel, uma das personagens da série. Cada produção conta a história da cidade e de seus moradores, tendo como pano de fundo diferentes cenários da região.

 

A história de Maria Lourdes ou Dona Lourdes, como é conhecida, passa pela Via Sacra de Planaltina, quando era coordenadora de figurino e também quando interpretou a personagem de Maria. Nascida há 69 anos numa área rural de Planaltina, antes da nova capital se instalar no Planalto Central, ela mudou-se para o setor pertencente ao Distrito Federal na adolescência.

 

Apaixonada pela cultura local, Dona Lourdes sempre participou das festas típicas de Planaltina e, entre elas, integrou a primeira Via Sacra, em 1973. Ao compartilhar essa história com os estudantes de ComCom, Dona Lourdes lembrou-se da importância deste material para a preservação da memória da cidade.

 

Ex-aluno de ComCom e um dos atuais responsáveis pelo Programa, Jairo Faria avalia que, após uma década de atividades intensas em Planaltina, foram bem sucedidas as propostas ali realizadas. “A troca de experiência com a região e com seus articuladores trouxe condições para que os moradores se tornassem mais autônomos quanto ao uso das ferramentas de comunicação para, desta forma, alcançar seus próprios objetivos, num processo democrático”, resume Jairo. Projetos como Minha Planaltina continuam em atividade na região administrativa, organizados pelos extensionistas do Programa.

 

ACCOUNTABILITY

Para além das ações de comunicação, o Programa ComCom propõe aos participantes conhecimentos sobre ferramentas legais que garantem os direitos fundamentais dos cidadãos. Entre eles, estão as Políticas de Comunicação, a exemplo do direito à comunicação, liberdade de expressão e acesso à informação. O conceito que define esse universo jurídico é o da accountability, termo em inglês que se refere à transparência, à responsabilidade ética e social das ações das instituições públicas, representantes políticos e seus agentes.

 

Muito embora o termo esteja relacionado à prestação de contas e transparência, o professor voluntário da disciplina Pedro Arcanjo explica que as ações de Comunicação Comunitária vão além e buscam a conscientização e o cultivo da cidadania. “É a compreensão da responsabilidade social dos atores, a garantia de acordos estabelecidos entre os sujeitos sociais e, por fim, o entendimento da Comunicação como um direito humano”, destaca.

 

Para Paulino, a Universidade tem um papel importante nesta questão e o grupo tem contribuído para a exposição de demandas às autoridades responsáveis e para obter a prestação de contas. “Estudantes que participam das atividades de comunicação comunitária podem não apenas debater termos como mobilização social, desenvolvimento sustentável, transparência e accountability, mas também podem vivenciar experiências práticas ligadas à aplicação conceitual em suas condições e desafios”, aponta.

 

VISIBILIDADE

Atualmente, o Programa Comunicação Comunitária está atuando com mais intensidade na Fercal, região administrativa do Distrito Federal. O encaminhamento foi dado após a articuladora territorial da região, Priscila do Carmo Araújo, conhecer as atividades desenvolvidas em Planaltina e identificar possibilidades que poderiam ser alcançadas com o Programa nas 14 comunidades que formam a Fercal.

 

“Embora uma região muito rica, a Fercal necessita de desenvolvimento, mesmo com uma alta arrecadação para os cofres públicos. Além disso, as comunidades não dialogam entre si”, explica. O principal objetivo era trazer visibilidade sobre as riquezas naturais e sociais presentes na região e tornar pública a relevância da localidade para Brasília e, especialmente, para os próprios moradores da Fercal.

 

“Conheci o Programa ComCom por meio do projeto Minha Planaltina, pelo qual eu sou encantada. Entendi que o ComCom poderia contribuir muito para dar visibilidade à Fercal e melhorar a comunicação entre as comunidades”, compartilha Priscila.

 

O grupo decidiu atuar primeiramente em uma das comunidades chamada Rua do Mato, para depois multiplicar os resultados obtidos nas demais áreas da localidade. Em quatro semestres de atuação na região, estudantes e professores foram conhecendo instituições, movimentos e projetos que ocorrem ali. “Neste semestre, chegamos ao ápice do nosso projeto, que foram ações na escola, o CED Fercal. Lá nós temos jovens que estão em todas as comunidades e podemos formar multiplicadores”, aponta Priscila.

 

De acordo com ela, o grupo vem estimulando a formação de cidadãos críticos que possam compreender as dificuldades da Fercal e propor soluções adequadas. Também trabalham a autoestima dos moradores, a solidariedade e a sustentabilidade da região.

 

As atividades do último semestre foram centradas nas narrativas dos estudantes do CED Fercal sobre a localidade. “Eles puderam contar suas histórias por meio de produtos de comunicação que criaram junto com os alunos da UnB. Por meio de vídeos, zines e áudios via Whatsapp, eles contaram o que eles gostam de fazer, suas histórias, como a escola foi construída, como a água chegou à cidade, como é o campeonato de futebol”, explica o professor Pedro Arcanjo. O grupo desenvolveu também atividades de fotografia, produção de conteúdos audiovisuais, além de oficinas e palestras.

 

“Participar de Comcom é uma realização para mim. É a possibilidade de partilhar conhecimentos. As pessoas precisam saber qual é o seu potencial e a riqueza que elas podem oferecer. Comcom nos dá essa oportunidade”, declara Priscila.

 

A troca de experiência entre os alunos e os moradores da comunidade da Rua do Mato incentiva o espírito de coletividade e estimula o engajamento de todos. “Os próprios alunos davam oficinas, e essa troca de conhecimento foi incrível, porque ensinando você também aprende”, ressalta a estudante do Departamento de História, Audrey Luísa.

 

NA PRÁTICA

Um dos projetos desenvolvidos atualmente ocorre na Cafuringa, área rural da Fercal. O grupo de extensionistas de ComCom está focado em compartilhar ferramentas de comunicação para que os moradores possam realizar produções audiovisuais. O objetivo é divulgar e comercializar os produtos oriundos da agricultura colaborativa.

 

Para o estudante de Jornalismo Matheus Maia, que também está participando de oficinas de rádio para aprender locução, a disciplina se diferencia das demais ofertadas na UnB por atuar diretamente junto a comunidades.

 

A opinião é compartilhada por Luana Melo, estudante do Departamento de Audiovisual e Publicidade: “A Comunicação é muito mais ampla do que o mercado de trabalho aparenta. Na Comunicação Comunitária, a gente tenta contar histórias positivas sobre a cultura, sobre o patrimônio e sobre as personagens que merecem ser conhecidas”. 

 

NOVAS ONDAS

Os podcasts são a última novidade da Rádio Laboratório de Comunicação Comunitária (Ralacoco). Porém, apesar de aderir ao novo modelo de produzir arquivos de áudios digitais e disponibilizá-los na internet, a rádio mantém seu princípio original, de realizar uma comunicação democrática em contraponto aos modelos comerciais.

 

Um dos podcasts em fase experimental é o Falacoco, realizado pelos extensionistas de ComCom. Na programação, os estudantes conversam com convidados sobre temas ligados à Universidade e à FAC. “O objetivo é chamar todas as pessoas e projetos que acontecem dentro da Faculdade de Comunicação e produzir um podcast em meio a um bate-papo descontraído”, detalha a estudante de Publicidade e extensionista de ComCom Erika Meier.

 

O novo projeto da Ralacoco de produzir podcasts começou com uma chamada pública para o desenvolvimento dos conteúdos, que são feitos no estúdio da Sala de Extensão da FAC, a Salex. Foram seis projetos selecionados. Os participantes são estudantes de graduação e de pós-graduação, além de membros da sociedade civil. Eles já receberem orientações sobre manuseio de equipamentos, preparação de voz e processo de divulgação do material produzido.

 

“A ideia é que uma mão lava a outra, ou seja, a gente ensina um pouco do nosso conhecimento em Comunicação e os participantes utilizam nosso espaço para produzir os podcasts deles”, explica Erika.

 

Ao longo de seus 18 anos de atividade, a Ralacoco comunga intimamente com o projeto de Darcy Ribeiro para a UnB, ao tornar a universidade palco de pluralidade e de participação popular, garantindo o desenvolvimento de regiões adjacentes do Distrito Federal e a realização de projetos transformadores para a sociedade.